Estou fazendo uma volta ao mundo a pé e já percorri 17 países. Estou acostumado que me perguntem qual o país que mais gostei e qual país que não gostei. No entanto, creio que essas são perguntas que limitam nossa maneira de ver a vida. Se eu respondesse de acordo com essa linha de pensamento, seria possível supor que os países que gostei estão associados a experiências positivas que tive naquele lugar e que praticamente tudo o que vivi lá foi bom. Por outro lado, teria que dizer que os países que não gostei me proporcionaram experiências desagradáveis durante toda minha estadia. A vida não pode ser dividida simplesmente em bom ou mau e nada é tão constante assim. Essa classificação simplista e dualista ignora as nuances da vida e o quanto nossa percepção é contingente, ou seja, varia conforme as circunstâncias que estão em constante movimento. Além disso, o mundo não gira em torno do meu umbigo. Embora minha opinião possa ser importante e mereça ser respeitada, ela é relativa, ao poder mudar completamente se for comparada com outra experiência. Um exemplo: após ter vivido por quase quatro anos na Europa, quando retornei a Porto Alegre me pareceu que as ruas de minha cidade natal eram muito sujas. Dois anos depois eu retornava à mesma cidade após ter vivido quase um ano no Haiti e recordo de ter dito: vejam, em Porto Alegre tudo é limpinho!
Há ainda outro limitante nessas perguntas fechadas. Se a pessoa nos parece digna de credibilidade ou se temos um vínculo afetivo com quem as responde temos a tendência de cristalizar suas respostas. Se disser a vocês, por exemplo, que tive experiências negativas em um determinado país, vocês poderão facilmente concluir que aquele país é ruim e permanecer por um longo tempo com essa imagem do país. Assim, ignoramos que foi ruim apenas para mim, para tantos outros ou outras que passaram por aquele local a experiência foi certamente positiva. E foi ruim apenas nesse momento histórico. É provável que se retornar no mesmo lugar mesmo alguns meses depois minha percepção seja completamente distinta.
Creio que conhecer o contexto, especialmente, no que se refere a pontos de vistas negativos sobre pessoas, lugares ou situações nos ajuda a sermos mais empáticos e evitar julgamentos reducionistas. Permitam-me que eu lhes dê um exemplo. Enquanto percorria as estradas da Libéria comentei com alguém que eu não estava gostando daquele país porque por diversas vezes jovens tentaram tirar dinheiro de mim de maneira ilegal. Essa pessoa me explicou que esses jovens nasceram no período da guerra. Houve guerra civil na Libéria por mais de 20 anos. Durante a guerra, me explicava esse senhor, os valores são outros. Minha geração, disse ele, foi ensinada que não poderíamos pegar nada de ninguém. Essa geração, por sua vez, foi ensinada que deveria roubar para poder comer e sobreviver às barbáries da guerra, concluiu. Isso não significa, evidentemente, que eu aprove ou goste que me roube, mas me ajuda a compreendê-los e desejar que encontrem formas de superar essa formação que receberam e a ter outra visão sobre o país.
E mais uma vez, minha experiência não pode ser determinante para conceituar um país ou o que quer que seja como bom ou mau. Eu poderia, para exemplificar, dizer que o país que mais gostei aqui na África foi a Mauritânia porque as pessoas foram muito amáveis e acolhedoras para comigo. Isso poderia levá-los a concluir que a Mauritânia é um país excelente. Um rapaz senegalês que foi imigrante na Mauritânia me disse que detestou o país porque em várias circunstâncias foi alvo de discriminação racial. Diante desses dois relatos, o que vocês concluem, a Mauritânia é um bom lugar ou não? Como se pode ver, é coerente que digamos que não é nem bom e nem ruim, mas que simplesmente depende das circunstâncias, de um conjunto de condições e de um mundo pleno de subjetividades concernentes ao observador. Por a vida ser complexa, diversa e sempre mutável não cabe nas caixinhas de meus gostos e desgostos pessoais. E tampouco pode ser presa em concepções e conceitos dualistas.
Sim, eu posso dizer que gostei ou não gostei de um determinado país, mas devo estar consciente que isso não pode ser determinante para compreender esse local.